domingo, 2 de dezembro de 2007

"Istórias" da Nossa História. Diário do Nordeste 2.12.2007

Após 200 anos da "Fuga" da Familia Real Portuguesa ao Brasil, viajo a Portugal e conheço um pouco deste episódio.

Aqui vão alguns relatos publicados no jornal Diário do Nordeste de 02.12.2007. Aos poucos vou postando mensagens e fotos de novas descobertos sobre o assunto.

D. JOÃO VI De fujão a estadista

D. João VI transferiu a Corte para o Brasil para evitar uma guerra com Napoleão. Depois, retornaria a Portugal, forçado pelo triunfo da Revolução do Porto. Deixou como legado as bases do Estado brasileiro (Foto: Reprodução)
Um mergulho mais atento na história revela que D. João VI é bem diferente do monarca apresentado nas escolas. A figura do bonachão covarde cede lugar ao estadistaNo lugar do retrato, a caricatura. Os livros de história utilizados nas escolas brasileiras nunca foram generosos com D. João VI (1767-1826), o monarca que transferiu para o Rio de Janeiro a capital do império português. A imagem que ficou é a do homem bonachão, guloso, indeciso, medroso, pouco asseado. Um monarca que apanhava e era escornado pela esposa, Carlota Joaquina. Um covarde que preferiu fugir de Portugal a ter que defender seus súditos das tropas de Napoleão. Um homem que não era chegado a banhos, mas que adorava passar o tempo devorando coxinhas de galinha.Duzentos anos depois da viagem que trouxe a corte portuguesa ao Rio de Janeiro, nota-se uma preocupação pelo revisionismo histórico, que pretende trocar a caricatura de D. João VI por um fiel retrato do monarca. A iniciativa de reabilitar a figura do pai de D. Pedro I partiu da Prefeitura do Rio de Janeiro, que está executando uma série de eventos e publicações de caráter histórico-cultural, reafirmando o significado ímpar do gesto político por trás da transferência da corte Joanina para terras tropicais. E refletindo sobre as conseqüências deste episódio para o Brasil que, 14 anos após a vinda da Família Real, alcançaria sua independência política.As discussões em torno da figura de D. João VI, no entanto, transcendem as fronteiras do Rio de Janeiro e ganham eco pelo país. Nunca se falou tanto do monarca. E nunca se falou tão bem. A presença da Família Real no Brasil, de 1808 a 1821, não costumava ser lembrada com encômio. Ao longo da história, não faltaram críticas à transferência da corte para cá. D. João VI e seu séquito foram chamados de “sanguessugas” do Brasil e acusados de fazer do país uma colônia de férias, longe da ameaça napoleônica.Agora, não. A figura que se impõe é a do estadista. Na verdade, faz-se justiça, mesmo que tardiamente. Durante a estada da Família Real, o Brasil e, principalmente, o Rio de Janeiro passaram por um processo acelerado de transformação. Ainda em 1808, a cidade abrigou a Impressão Régia. De seus prelos saíram desde o primeiro jornal brasileiro - “A Gazeta do Rio de Janeiro” - até traduções de Alexandre Pope, tratados de Medicina, Física e Matemática, títulos de natureza religiosa, boas maneiras, papéis oficiais da corte, leis e decretos. Até o “subversivo” Voltaire foi editado na Imprensa Régia.ProgressoInúmeras instituições de natureza cultural e científica também foram implantadas durante o período Joanino, e o Rio de Janeiro foi escolhido para sediá-las. Com a criação da Real Biblioteca, atual Biblioteca Nacional; do Museu Real (Museu Nacional da Quinta da Boa Vista); do Jardim Botânico; do Teatro São João; da Escola de Ciências, Artes e Ofícios; da Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica; e da Academia Militar, D. João VI empreendeu um movimento de europeização - no bom sentido - dos trópicos.Ao revisitar a história, as pessoas dão-se conta de que a fuga de Portugal não foi um ato de covardia, mas a melhor estratégia de que D. João VI dispunha, naquele momento, não só para salvar o trono, mas para manter as boas relações com a Inglaterra, o principal parceiro português; e evitar uma guerra com os franceses que poderia resultar na divisão - talvez até na destruição - de seu país. O plano de fuga, aliás, não foi uma invenção do monarca. O padre Antônio Vieira e o Marquês de Pombal, em outros momentos da história portuguesa, já tinham dado a mesma sugestão.Com as ameaças de Napoleão, o plano foi ressuscitado e a viagem começou a ser pensada pelo menos um ano antes do embarque da Família Real para o Brasil. No dia 29 de novembro de 1807, o plano começou a ser colocado em prática: mais de 50 navios - sob a proteção de uma esquadra inglesa - deixaram Lisboa para atravessar o Atlântico rumo ao Brasil, com uma comitiva que pode ter chegado a 15 mil pessoas. A primeira parada foi em Salvador. Depois, a corte seguiu para o Rio de Janeiro, onde ficaria instalada até 1921, quando D. João VI e seu séquito retornariam para Portugal, ficando entre os brasileiros o receio de o país perder a autonomia conquistada.A vinda da Família Real para o Brasil gerou um choque cultural, uma reação de estranhamento por parte de brasileiros e portugueses. O mundo da corte de D. João VI era bem diferente do cotidiano de nossas cidades. O europeu tinha dificuldade de entender o catolicismo popular, a escravidão e a mania do brasileiro de tomar banho, enquanto o homem da terra ficava impressionado com as roupas armadas dos portugueses e a pompa que ostentavam nas ruas. D. João VI, em cortejo pelo Rio de Janeiro, deixava os citadinos impressionados. O monarca tinha seu lado conservador e insistia em manter certos rituais já abandonados por outras cortes européias.Providência divinaD. João VI nasceu e morreu em Lisboa. No batismo, recebeu o “pequeno” nome de João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís António Domingos Rafael de Bragança, cognominado O Clemente. Segundo dos filhos de D. Maria I de Portugal e de seu tio Pedro III, acabou se tornando o primeiro na linha de sucessão com a morte do irmão mais velho, José, vitimado pela varíola, em 1788. D. João tinha 21 anos e até então merecera a educação e as atenções de um secundogênito. Não foi treinado para a guerra, como acontecia com os primeiros na linha de sucessão. Em compensação, estudou mais do que os herdeiros naturais ao trono.Seguindo a tradição, casou-se cedo, aos 18 anos, com uma noiva de apenas 10 anos, a Infanta Carlota Joaquina de Bourbon, filha do rei Carlos IV, da Espanha, mas o casamento só seria consumado em 1790. Dada a doença da mãe, D. João assumiu o poder em 1792, assegurando a direção dos negócios públicos, passando a despachar os decretos em seu nome. Sete anos mais tarde, em 1799, e até subir ao trono, governou o país como Príncipe Regente, após uma junta médica reconhecer a impossibilidade de recuperação de sua mãe. Em 1815, já instalado no Rio de Janeiro, tornou-se Príncipe Regente do Reino Unido de Portugal, Brasil e dos Algarves.No ano seguinte, após a morte da mãe, foi coroado como 27º rei português, na antiga catedral fluminense. Na época, não havia distinção de Estado e Igreja. O poder do império, que vinha da providência divina, precisava ser chancelado pela Igreja. Por isso, a coroação não se deu no palácio, mas na Sé, que vem sendo restaurada como parte das comemorações pelos 200 anos da vinda da Família Real.Quatro anos depois da coroação, D. João VI tomaria o caminho de volta, por causa do triunfo da Revolução do Porto, que exigia o regresso do monarca. Deixou aqui o filho Pedro, que no ano seguinte se tornaria o primeiro imperador brasileiro. O reinado de D. João VI não iria mais muito longe. Ele faleceu em 1826, sob suspeita de envenenamento, uma morte ainda não explicada.
DÉLIO ROCHARepórter

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